
Mais uma de Allan Sieber.
"Santa Catarina já teve o maior prêmio cultural do Brasil, o concurso de literatura Cruz e Sousa, criado no governo de Jorge Bornhausen e reeditado na administração de Esperidião Amin. A repercussão nacional foi extraordinária, tanto na primeira, quanto na segunda fase. Hoje, o maior prêmio do gênero no País é o de Minas Gerais, que distribuirá mais de R$ 200 mil para os vencedores (a maior parte do prêmio para escritores mineiros).
Qual a relevância cultural de Santa Catarina no plano nacional hoje?
Nenhuma.
Não há qualquer evento que se destaque. Simplesmente porque o atual governo não tem uma política cultural. Apóia iniciativas isoladas, que não contribuem para a projeção nacional do Estado".
"A cena musical como a vejo hoje é pouco diferente de quando eu estava crescendo. Os percentuais são aproximadamente os mesmos: 95% de lixo e 5% puro. Contudo, os sistemas de marketing e distribuição estão no meio de uma enorme guinada, e por volta do final desta década creio ser improvável que qualquer uma das gravadoras ainda esteja no negócio. Com todo o respeito a todos os envolvidos, isto não seria grande perda. A música sempre vai achar um caminho até nós, com ou sem negócios, política, religião ou qualquer outra baboseira ligada a ela. A música sobrevive a tudo e, como Deus, está sempre presente. Não precisa de ajuda, e não é obstruída. Ela sempre me encontrou e, com a benção e permissão de Deus, sempre haverá de encontrar".
O crepúsculo nem tão festivo da esquerda
Parecia uma boa idéia. Realizar a palestra com o histórico intelectual de esquerda em um bar, habitat natural das conspirações festivas que ele integrara. A euforia causada pelo álcool imprimiria um tom descontraído à conversa e, com sorte, estimularia o convidado ilustre a revelar inconfidências que não poupariam nem seus antigos sócios no monopólio da resistência. Jornalistas de ontem, hoje e amanhã lotariam as dependências para ouvir daquele senhor um relato impressionante sobre o período verde-oliva do Brasil, enquanto bebericavam algo e conferiam as silhuetas das jovens que flanavam pelo local. No mínimo, seria mais divertido do que ler os livros de Elio Gaspari. Correu tudo conforme o combinado. Ou seja, deu tudo errado.
Ultrapassando as expectativas etílicas a seu respeito, o histórico intelectual já chegou de porre. Havia passado a tarde inteira e o começo da noite em um boteco regando o verbo e alimentando sua lenda pessoal. Às 11, hora marcada para o compromisso, sua dicção estava mais embaralhada do que seu raciocínio. Até aí, nada que empanasse o folclore. A disputa pela atenção enfrentaria obstáculos mais graves: a abundância de espécimes felinas mais interessantes que o palestrante e o retorno ao Brasil de um colega que ficou 14 meses viajando pela parte do planeta que a administração Bush pretende transformar em uma gigantesca quadra de basquete. De repente, escutar as últimas de Cabul com um olho na estagiária ao lado seria mais útil à profissão do que descobrir métodos para driblar a Censura.
Contra o lendário subversivo, o colega tinha a seu favor todo o mistério do Islã e a cumplicidade de seus velhos conhecidos. Para arrematar, não se entendia nem escutava nada do que o tiozinho tentava falar, salvo o movimento de perdigotos em direção ao microfone. Não demorou muito para se perceber de onde viriam as revelações surpreendentes. O colega contava seu relacionamento com o Taleban (“é um movimento gay”), a difícil sobrevivência em um ambiente de guerrilha (“pelo menos, o cigarro é barato”) e o rigor das muçulmanas (“não interagi com nenhuma”). À guisa de lembrança, sacou uma burca, medalhas alusivas à ocupação soviética, uma bandeira vermelha com o perfil de Lênin e um item que imediatamente se tornou objeto de culto e adoração: uma nota de 250 dinares com a efígie de Saddam Hussein, contrabandeada por soldados americanos.
Era novidade demais diante dos lugares comuns que o convidado tinha para expor. Inconscientemente ou não, ele reconheceu a batalha pelos holofotes como perdida e levantou-se, acometido por um ímpeto urinário. Acompanhado por um chargista (seu fã), dirigiu-se ao único banheiro do local. Ocupado. O chargista bateu na porta alertando para a emergência da situação, sem resposta. Então o intelectual declarou com a língua enrolada: “Não vai mais ter palestra nenhuma”. E baixou o olhar. A mancha escura em sua calça cáqui reproduzia o mapa do Chile, um filete que ia da virilha até a canela. O chargista ainda alegou que, se derrubasse cerveja em sua roupa, ninguém ia notar nada. Mas o clima - ou a atmosfera - já estava irremediavelmente comprometido. O sonho acabara.
Quase ninguém acusou a retirada do intelectual. Humilhado, o veterano de grandes causas perdidas, exemplo de valentia na sala de tortura e ícone da luta pela liberdade, voltou para o hotel sozinho, tendo de convencer um taxista a levá-lo naquele estado. Na saída, ainda foi interpelado por outro admirador: “Oi, sempre me inspirei em seu trabalho e...” “Pô, vocês aqui são foda!”, interrompeu o prócer da imprensa combativa antes de evaporar. Lá dentro, na mesa do fundo, o colega continuava com o ibope alto devido à milonga afegã, sem se importar com o destino de sua cédula de dinar. No banheiro, alheios ao drama nefrológico do intelectual, dois amigos do viajante faziam o que nem todo o poderio militar do Pentágono conseguiu: deixar o ditador iraquiano de cabelos brancos.
"Na platéia, presente ao Parque de Exposições Agropecuárias da Bahia, o alívio veio assim que o apresentador anunciou:
- E atenção, galera: Tim Maia já chegou!
Agora, sim! O cara já tinha chegado. Todo mundo estava morrendo de medo do cara não aparecer e ficarmos sem show, ou pior, condenados a assistir às demais apresentações previstas na noite, cujo espírito era mais, digamos, afeito ao local. Mas o Tim era o Tim e valia o ingresso. E veio o homem, com sua blusa azul brilhante e o vozeirão característico. Estavam, ele e a Banda Vitória-Régia, inspirados. Súbito, lá pela metade do show, o inevitável aconteceu:
- Banda Vitória-Régia, pára tudo, pára a música!
Pronto, pensamos. Agora, os intermináveis "Mais graves, mais agudos, mais retorno!" e lá se vai o show (aliás, diz uma piadinha que, certa vez, internado num hospital, o médico perguntou ao Tim qual era o seu estado e ele respondeu "mais grave, mais agudo, cadê a enfermeira, eu quero um médico!"). Mas, ao invés de se dirigir ao operador de som, Tim dirigia-se a uma pequena confusão surgida no meio da platéia. A polícia levava um rapaz, que se debatia. Tim interveio:
- Boa-noite! Porque é que estão levando o rapaz? Como? O quê? Um baseadinho? E é só ele que o senhor vai prender? Então, tem que prender todo mundo... ou soltar o rapaz! Bota a luz aqui em cima do rapaz!
Como primeiro efeito da luz, soltaram as mãos do rapaz e o liberaram da "gravata" que ele estava levando de um soldado. Um atônito oficial, no meio dos soldados, respondia ao Tim, visivelmente desconcertado com a súbita notoriedade que o artista lhe conferia. Respondeu, com gestos, que iria levar o rapaz. Mas era tarde. O Tim já tinha comprado a briga.
- Então, tenente, é o seguinte: ou solta o rapaz ou acaba o show aqui. E que todos fiquem sabendo que foi a PM que acabou com o show.
Em delírio, a multidão respondeu:
- TIM MAIA, TIM MAIA, TIM MAIA TIM MAIA!
E eis que a multidão vai apertando o círculo aberto em torno dos PMs, pedindo show. Com medo do que poderia acontecer, o a essas alturas desesperado tenetnte ordenou que o rapaz fosse solto. Do palco, Tim gostou:
- Atenção, Banda Vitória-Régia! O show vai continuar! E você, rapaz, não dá mole, não. Já viu que os "homi" querem você, cumpade! Atenção, segurança: libera a entrada do rapaz no camarim. Vai pra lá que o lugar é bom pra ver o show e depois a gente toma um uísque... guardou a ponta ou tomaram de você? Beleza, rapaz esperto... guarda ela direitinho...
E seguiu o show! O melhor do Tim Maia a que eu tive oportunidade de assistir. A todo momento, víamos, ao fundo do palco, o tal rapaz, se divertindo como nunca e, a partir daquele dia, com uma história sensacional para contar para os netos. Se é que algum dos dois conseguiu se lembrar depois do uísque. E da ponta, é claro... nem me passou pela cabeça que o Tim estivesse pensando em mandar o rapaz se livrar do flagrante..."