quarta-feira, 21 de março de 2007

Réquiem para um Soulman





No último dia 15 de março completaram-se 9 anos(!) da passagem de Sebastião Rodrigues Maia desta para melhor. Mais conhecido como Tim Maia, o emblemático soulman brasileiro está sendo biografado pelo jornalista Nélson Motta.

Pois visitando o blog do músico e escritor Henrique Bartsch, autor de Rita Lee Mora ao Lado, li um post em que ele publica um trecho da história do Tim, enviado pelo próprio Nélson. Saboreie. É um post grande mas vale a pena. No fim do arco-íris tem um pote de ouro.


Tim Maia Disco Club, 1978, 123 quilos

Em janeiro de 1978, Tim partiu para São Paulo para fazer uma apresentação no programa do Chacrinha, na TV Tupi. Para aproveitar as passagens e a hospedagem por uma noite no Hotel San Raphael, avisou à banda que ficariam mais dois dias em São Paulo, para gravar o disco no Estúdio Gazeta, “o melhor do Brasil “. Já estava tudo acertado, ele tinha telefonado do Rio marcando os horários, gravariam o disco todo de uma enfiada, em dois dias, todos juntos, como se fosse ao vivo, a banda estava preparada.

E assim foi, ou quase. Em dois dias, todos juntos no estúdio, com painéis separando os instrumentos para evitar vazamentos de som, gravaram as onze bases e algumas vozes de Tim, mas não deu para terminar tudo e mixar, como ele queria. O horário terminara, outros músicos esperavam ansiosos para entrar. E pior, Tim pagara o estúdio em dinheiro, antes de começar a gravar, estava zerado.

Réu confesso de ter faltado a diversos shows, muitas vezes Tim foi vítima de empresários e produtores trambiqueiros, que se aproveitavam de sua má fama para tentar explorá-lo. Para se proteger deles, criou uma senha de retirada, caso o contratante não aparecesse com 50% do levado em dinheiro vivo antes do show. Bastava gritar ou sussurar “estratégia“ que o pessoal nem tirava os instrumentos das caixas e começava a andar acelerado para o ônibus.

Assim que voltou ao hotel San Raphael, não deu outra:

Estratégia!

Aí, rapaziada, é o seguinte: embala tudo que a gente “vai fazer um show“, Tim deu a senha para a retirada.

Foi o que ele disse na recepção enquanto os músicos faziam uma confusão proposital na saída para esconder as sacolas de roupas misturadas com as caixas de instrumentos. Deixou a chave do carro alugado na recepção, pago com um cheque sem fundos, e partiu.

Como era tarde e precisavam dormir em São Paulo, Tim seguiu a sugestão de um motorista e foi com a banda em dois táxis para um muquifo numa zona distante e perigosa, mas a salvo dos cobradores do San Raphael. Sob protestos, os músicos passaram a noite amontoados em dois quartos do puteiro infecto.

De manhã, novo problema, alguns músicos ameaçaram se amotinar quando Tim disse que não voltaria para o Rio de avião e queria que pelo menos parte da banda o acompanhasse na viagem de volta no seu carro novo.

Que carro novo, Tim?

Na esquina do hotel, uma agência vagabunda de carros usados exibia um Ford Galaxy reluzente, em estado de novo, pouquíssimo rodado, de um único dono, a preço de promoção. Tim adorou o carro, era grande e confortável como ele gostava; o vendedor ficou encantado em conhecer o Tim Maia, ganhou uma capa de disco autografada e 50% do pagamento com a mesma assinatura em um cheque voador.

Na estrada desde as 10 da manhã, com Tim dirigindo a 60 km por hora, os músicos dormiam amassados no carrão, quando desabou um temporal e o Galaxy enguiçou numa serra nas proximidades de Resende. Entre conseguir uma carona, encontrar um mecânico e o carro voltar a rodar, passaram-se mais de cinco horas, só conseguiram chegar em casa às duas da manhã, com Tim praguejando contra a agência de automóveis que lhe “vendera“ uma bomba.

O rei do soul não considerava a discoteca música de branco, das cocotinhas da Zona Sul; para ele, ela não era oposta mas complementar ao soul negro da galera da Zona Norte, Tim se sentia muito à vontade ao lado de Kool and the Gang e do Chic:

Faço música de preto. E os pretos precisam se convencer que chegaram ao mundo dos brancos acidentalmente, em navios negreiros. Olha só isso que chamam de movimento Black Rio: os negros não passam de xerox dos americanos que, por sua vez, imitam aos brancos. Não sacam que o negócio é voltar para a África.

Gravado em 1978, o Tim Maia Disco Club seria um dos melhores discos de sua vida e marcaria sua entrada triunfal na onda da disco music e o início de sua colaboração com o tecladista e arranjador Lincoln Olivetti, um dos mais talentosos estilistas do Brasil, com quem faria muitas das melhores gravações de sua carreira.

A seleção carioca do soul entrou em campo com sua força máxima, com Paulinho Braga na bateria, Jamil Joanes no baixo, Robson Jorge no piano, Piau na guitarra, Chacal na percussão, Serginho Trombone, Paulinho Trumpete e (sax) no naipe de metais, sob a batuta, o Fender Rhodes e o Clavinet de Lincoln Olivetti.

No estúdio Level, em Botafogo, o guitarrista Renato Piau viveu momentos de grande emoção e suspense, durante a gravação da sua Pais e filhos, feita em parceria com Arnaud Rodrigues. Com a base gravada, Tim chamou o maestro argentino Miguel Cidras para escrever o arranjo de cordas, segundo as suas orientações. Quando o maestro abaixou a mão e os violinos tocaram, Tim não gostou do que ouviu, não era nada daquilo que esperava. Em certas partes as cordas faziam a mesma melodia que ele cantava, se confundiam com sua voz, quando deveriam ser em contra-canto.

Quando a gravação das cordas terminou, o produtor Guti Carvalho, pelo microfone da técnica, chamou o maestro para vir ouvir o resultado. Tim soltou os cachorros:

Pô, Guti, já te falei prá não chamar esse cara, mermão. Ele faz esses arranjos quatro-quatro-meia e assim não dá pra cantar.

Guti esquecera o microfone aberto e não só o maestro como toda a orquestra ouviram a esculhambação em alto volume. Miguel era um lourão corpulento, sanguíneo e cabeludo e, botando fogo pelas ventas, invadiu a técnica berrando em portunhol:

Hijo de uma puta! Yo te fuedo Tín Maia !

Não era para menos, quatro-quatro-meia, na língua de Tim, era o que nem chegava a cinco, era menos do que mais ou menos.

Miguel agarrou Tim numa gravata e derrubou como um touro de rodeio, enquanto Guti e Piau tentavam desapartar. O gringo estava furioso e Tim, de língua de fora, sufocava, esperneava e gritava tira esse cara daqui!

A muito custo o cara foi tirado dali e a gravação foi encerrada. Foram todos para uma salinha que André Midani havia cedido na casa da Warner, para ser o escritório de produção durante a gravação do disco. Um garrastazu oficial.

O clima estava pesado, mas foi logo aliviado com a visita do amigo Maurício do Valle, o querido Maurição, um grande ator baiano que se celebrizara como o Antonio das Mortes de Glauber Rocha e que também gostava de dar seus tirinhos fora da caatinga e das telas. Maurição foi recebido como um mensageiro da alegria, apresentou um gordo papelote de pó de primeira e a festa começou. Mais à vontade, Tim decidiu:

Ô Guti, esse Miguel é mesmo muito quatro-quatro-meia, mermão. Manda trazer o Lincoln Olivetti pra escrever essas cordas.

Com Lincoln vieram uma nova riqueza nos arranjos, um fraseado mais sofisticado de metais, o batidão disco se incorporava à levada do funk-samba-soul com naturalidade, a massa de cordas se desenvolvia em espirais vertiginosas, melhor e mais dançante do que aquilo, só o Earth, Wind and Fire. O disco abria com três clássicos, em seqüência, feitos para dançar. “A fim de voltar “ e “ Acenda o farol “, duas discos empolgantes, marcadas por cordas velozes e sinuosas, emendavam com o funkão pesado “ Sossego “, uma de suas obras-primas, com seu groove hipnótico e seus riffs de metais em brasa. A letra era uma síntese absoluta, um hai-kai carioca:

Ora bolas, não me amole,
com esse papo de emprego,
não tá vendo, não tô nessa,
o que eu quero é sossego !

Era só isso, e tudo isso. Não precisava mais nada, estava dado o recado. Não havia festinha, boate, bailão ou discoteca em que a pista não estourasse quando Tim pedia sossego ou dizia que estava a fim de voltar ou mandava, se o pneu furou, acender o farol.

Sossego foi uma das musicas mais tocadas do ano, um dos grandes sucessos da trilha sonora da novela "Pecado Rasgado" e do filme “Nos embalos de Ipanema“, de Antonio Calmon.

Tim estava estourado no Brasil inteiro, fazia um show atrás do outro sem faltar nenhum, mas os problemas não faltavam. No ginásio do Guarani, em Campinas, não foi nem o caso de estratégia. Foi muito pior.

Tim estava ansioso para fazer um show legal para o povão que lotaria o ginásio, cantar os seus sucessos e experimentar as novidades com a Vitória Régia. Eles eram a atração principal, entrariam por volta de meia-noite, depois de várias bandas locais. Onze horas o empresário os pegaria no hotel. Com o levado, naturalmente.

Uma da manhã e nada. Tim pronto, a banda inquieta, tensão no hotel. Às duas da madrugada finalmente o homem apareceu, transtornado. Alguma coisa dera muito errado, menos público que o esperado, roubo da bilheteria, calote de um patrocinador, o empresário tentou ser semi-correto e ofereceu pagar 50% do cachê a Tim - para não fazer o show. Tinha seus motivos, mas Tim insistiu, já que havia feito a viagem e estava esperando até aquela hora, louco para cantar, concordou em receber metade do levado - mas faria o show inteiro.

No ginásio, os ânimos estavam exaltados. Por volta de uma da manhã, como Tim Maia não aparecia, o público começou a vaiar e a gritar pelo dinheiro de volta, choveram garrafas, brigas estouraram, a polícia interveio várias vezes, mas os mais furiosos resistiam.

Quando Tim e a Vitória Régia chegaram, o chão estava coberto por cacos de vidro, o povo gritava furioso, o empresário implorou que ele não entrasse no palco. Tim mandou ligar o som e que a banda atacasse a introdução de “Não quero dinheiro“. Entrou sob uma gritaria infernal e, mal começou a cantar, uma garrafa jogada da arquibancada explodiu a seus pés. Outras se seguiram, sobre os músicos, os instrumentos e equipamentos, nem foi preciso gritar “estratégia“. Todos fugiram para o camarim aterrorizados, choviam garrafas sobre o palco, a turba gritava “quebra!“, “mata!“, “toca fogo!“

Enquanto os bombeiros tentavam esfriar a massa enfurecida com jatos de água, protegidos por um batalhão de choque da PM, Tim e os músicos embarcaram num camburão, o único meio seguro de levá-los vivos de volta ao hotel.

Foi a única vez que Tim ganhou para não fazer um show e ainda andou no banco da frente de um camburão.


Baixe Tim Maia Disco Club aqui.

4 comentários:

Daniel Pearl Bezerra disse...

BASTA! CPI NA MÍDIA JÁ! Não podemos aceitar um jornalismo sujo, sem vergonha, sem postura, mesquinho, que não respeita o cidadão, a ética e a verdade. Desde 2003, a imprensa chamada "golpista" vem tendo um comportamento inadequado em relação a sua postura jornalística, chegando ao ponto de alguns chamarem a situação de "Golpe Branco" contra o presidente Lula, criando situações desagradáveis. Foi assim, a enxurrada de denúncias sem fundamentos em alguns casos. Nossa imprensa não é séria, já perdeu a credibilidade e dignidade. Chegou a hora da Câmara dos Deputados criar a CPI DA MÍDIA, e já, para o bem na Nação. Daniel Pearl - blog DESABAFO PAÍS - http://desabafopais.blogspot.com. Acesse.

joice disse...

Graaaaande postejada! já estou pegando meu pote de ouro, em breve estarei me deliciando.
Cara, como ontem à noite consegui recuperar os dados do meu HD, tô musicalmente inspirada, agora mais ainda com o teu post. Mais tarde pretendo compartilhar musiquinhas no "implicante" também. Inté!
joice

zylbersz disse...

demais, ulysses!
abs
felipe z

Ulysses Dutra disse...

Legal né galera! Tou doido pra ver essa biografia nas livrarias. Esperemos que a família do Tim não dê uma de Roberto Carlos.
Que bom saber que o post tá inspirando mais música no Implicante, Joice!

E Filpo mô fio! Valeu o comentário e a visita bro. Ontem falei com o Índio pra ver se armamos outro show aí em Sampa pra revermos os amigos. Grande abraço pra todos, até pro Daniel que entrou aqui com os pés na porta