Foto: João Wainer/Folha
Li hoje dois textos muito interessantes sobre o presidente Lula, sua relação com o PT e a sucessão de 2010. Ambos versam sobre as últimas movimentações do xadrez político. Divido aqui com vocês. O primeiro é do jornalista Alon Feuerwerker em seu blog hoje:
"No comando da própria sucessão
O que há de comum nas circunstâncias da 1) derrota de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara dos Deputados, da 2) renúncia de Nelson Jobim à candidatura a presidente do PMDB e do 3) desgaste a que Luiz Inácio Lula da Silva submete Marta Suplicy? Ao ajudar a derrotar Aldo, Lula enfraqueceu no nascedouro o bloco PSB-PCdoB-PDT, que acalenta a esperança de ter um candidato competitivo à sucessão de Lula, e fortaleceu seu próprio partido, o PT, que andava meio cabisbaixo e perigosamente frágil. Ao dinamitar Jobim, desidratou no PMDB quem aposta em vôos próprios e vitaminou Geddel Vieira Lima, que ajudou Lula a derrotar o PFL da Bahia no ano passado. É improvável que Geddel não esteja de mãos dadas em 2010 com Lula e seu possível candidato ao Palácio do Planalto, o governador petista da Bahia, Jaques Wagner. Ao descarnar a ex-prefeita Marta Suplicy, Lula evitou que a eventual entrada dela no ministério (se acontecer) represente a celebração de uma forte pré-candidatura petista à Presidência da República. Ou seja, Lula vai montando o segundo governo de modo a preservar o máximo de controle possível sobre a própria sucessão. O melhor cenário para Lula é poder concorrer a um terceiro mandato em 2010, coisa difícil de passar no Congresso. Lula diz que não quer, mas opera sistematicamente para enfraquecer todos os possíveis candidatos a candidato, com a exceção de Wagner. O segundo melhor cenário para Lula é a vitória de um governista (petista) em 2010, desde que a reeleição tenha sido abolida. Para que ele, Lula, possa tentar voltar em 2014 (ou 2015, se o mandato passar a cinco anos) sem ter que entrar em guerra com um presidente do seu partido/campo. Sem ter contra si a máquina do governo. Um cenário razoável para Lula é chegar a 2014 (2015) com um presidente tucano (ou oposicionista), mas que não possa concorrer à reeleição. O cenário ruim para Lula é ter que encarar nas urnas um presidente tucano (ou oposicionista) em 2014 (2015). E o cenário péssimo para Lula é eleger em 2010 um companheiro petista (ou aliado) que possa concorrer à reeleição. Ou seja, é provável que a reforma política de Lula (na qual ele, como em outros assuntos, promete não se meter) comece exatamente pelo fim da reeleição, em todos os níveis. Vão ter que convencer os governadores e prefeitos, mas os parlamentares podem ver no fim da reeleição um mecanismo para enfraquecer possíveis adversários, nos estados e nos municípios. Bem, mas você pode discordar de mim. Pode acreditar que Lula: 1) foi emparedado pelo PT na eleição de Arlindo Chinaglia para presidente da Câmara; 2) a contragosto, teve que ceder à realidade de que Michel Temer tinha a maioria no PMDB e 3) não está conseguindo, infelizmente, entre as mais de três dezenas de ministérios, abrir uma vaga boa o suficiente para alojar a ex-prefeita Marta Suplicy (a quem ele é muito grato, por tê-lo ajudado num momento difícil da campanha presidencial). Só que essas hipóteses têm um pressuposto: Lula deve estar mesmo bem fraco, já que não emplaca umazinha sequer. E você, acha que Lula está fraco politicamente? Acha mesmo? Se acha, você poderia explicar o que fez Lula se enfraquecer tanto de outubro para cá."
Agora o historiador e sociólogo Canrobert Costa Neto que escreveu no site Fazendo Média:
" LULA E O PT
Alguns dos principais analistas da mídia grande estão fazendo interpretações, a meu ver, equivocadas sobre a relação entre Lula, e o chamado "lulismo", e o PT.
Creio que as análises errôneas a respeito desta relação têm a ver com o escasso conhecimento dos colunistas sobre a vida política interna do PT, notadamente Merval Pereira de O Globo, que insiste em identificar uma crise entre Lula e o PT, ou mais especificamente entre o "lulismo" no governo e o chamado Campo Majoritário do PT.
Eu não vejo ocorrer esta discrepância, a ponto de levar Lula a apoiar para a Presidência da Câmara o deputado Aldo Rebelo em detrimento de Arlindo Chinaglia do PT de São Paulo e do Campo Majoritário. Ao contrário, insisto em que Lula e o "lulismo" trabalharam pela candidatura do petista e a tornaram viável a muito custo.
Lula e o "lulismo" só têm a ganhar com o PT na presidência da Câmara, principalmente pensando na sucessão presidencial de 2010 e nos desdobramentos para 2014. Creio que a eleição na Câmara marca a possibilidade de uma série de barganhas entre governo e parte da oposição, visando 2010.
Lula usa a máquina do governo e a máquina partidária do PT para barganhar com alas do PSDB (leia-se Aécio e, em menor medida, Serra) uma possível frente para 2010, com o PSDB, ou alguma dissidência dele. A supressão da emenda da reeleição passa por esses acordos de bastidores. O PT de Lula (o partido como um todo, apesar das divergências entre os grupos internos, que são reais), entraria no jogo político eleitoral de 2014 como um dos trunfos para um possível retorno de Lula e do lulismo petista ao poder.
Eu arrisco fazer esta interpretação da relação entre Lula e o PT amparado na minha vivência pessoal dentro do Partido dos Trabalhadores entre 1980 (estive entre os fundadores do partido, no Distrito Federal) e 1991. Os que interpretam a relação Lula-PT sem nenhuma vivência da estrutura partidária podem cometer equívocos, mesmo quando procuram estar bem informados a respeito do PT e suas questões internas.
O maior erro daqueles que fazem interpretações equivocadas sobre a relação Lula-PT é o de considerar que qualquer ala interna do Partido - do Campo Majoritário às correntes menos influentes - poderia afrontar publicamente, ou mesmo nos bastidores, o poder de Lula à frente do partido.
Lula é intocável dentro do PT. Ele atua no partido como um fiel da balança entre os agrupamentos políticos internos. Lula exerce o poder moderador, isto é, só intervém quando é para resolver definitivamente alguma grande questão pendente. Isto sempre foi assim no PT. Quem afrontou Lula não sobreviveu, pessoalmente ou em grupo, no partido.
É claro que Lula já teve que engolir sapos (muitos deles bem barbudos...), mas muito habilidosamente conduziu a situação de forma a que a última palavra fosse a dele. Neste sentido, Lula pode ser identificado na categoria Weberiana de liderança carismática. É assim no PT, na CUT e agora no próprio Governo Federal.
Lula aproveita-se muito bem da disputa por espaço entre os grupos do PT. Na realidade, ele se alimenta desta disputa. Paradoxalmente, Lula só tem a ganhar com a discussão interna no PT porque todos os grupos dependem de Lula para sobreviver e Lula, ainda mais agora no governo, não depende de nenhuma dessas correntes em particular, embora se apóie no Campo Majoritário e ajude a administrar suas fissuras.
Quanto mais o PT se divide mais o lulismo, dentro e fora do governo, se multiplica. Todos que estão no PT dependem politicamente de Lula e do lulismo. Assim sendo, o lulismo se retroalimenta do petismo. Mas quando o petismo exagera na dose e se torna, momentaneamente, "mais lulista" do que o próprio Lula, então o grande líder vira um Pôncio Pilatos e lava as mãos (para preservar os dedos e os anéis, se possível) e permite, e até estimula, o "linchamento temporário" de seus mais íntimos e fiéis colaboradores.
Foi o caso de Dirceu e Palocci no episódio do mensalão. Eles, como bons petistas e lulistas (embora um pouco exagerados) foram ao inferno calados para preservar Lula, o lulismo e o próprio PT. Agora, Lula os trás de volta à cena política, para servir novamente (e mais moderadamente) ao PT e ao lulismo.
É assim que a banda toca na relação Lula-PT. Não há espaço para fricções de qualquer corrente interna do PT com Lula. Até Suplicy, um dos poucos a poder fazer determinadas escaramuças políticas aparentemente anti-lulistas, é absolutamente funcional ao lulismo e ao petismo, haja vista o episódio da suspeitíssima morte do prefeito Celso Daniel. Suplicy agiu como emissário de Lula no caso e ajudou a abafar uma situação que poderia representar o colapso tanto do petismo quanto do lulismo.
Enfim, Lula não tem adversários políticos dentro do PT. Todos gravitam em torno do seu eixo. O partido se une no lulismo e sabe que Lula é o portador da continuidade política dos seus membros. Lula evita rachas e contorna dissidências, mas não tolera o confronto petista com o lulismo. Se algum setor do PT se insubordina à sua liderança e/ou trai sua confiança, Lula avaliza sua exclusão das fileiras do partido e das benesses políticas do lulismo.
Que o digam os dissidentes mais recentes, como Heloísa Helena e Chico Alencar, que deixaram de ser lulistas e tiveram como castigo definitivo a expulsão do PT. E vai haver quem diga que Lula manteve-se neutro na questão ou que não sabia do que se passava no partido, pois já estava Presidente da República.
Quem compra esta versão é neófito em PT e lulismo e tende a fazer análises totalmente equivocadas e completamente distantes da realidade, como é o caso de Merval Pereira quando afirma que o PSDB apoiou o PT na eleição da Câmara para se contrapor ao lulismo. Ou isso é devaneio político ou é uma versão plantada pela ala Fernando Henriquista do PSDB para esconder seus rachas internos e justificar o apoio decisivo à candidatura vitoriosa do petista.
Se a minha avaliação estiver correta, o PSDB, de Aécio e Serra, apoiou o candidato do PT para permitir que Lula conduzisse o processo sucessório e colocasse o PT como moeda de troca na sucessão de 2010, a reboque de Aécio ou, na pior das hipóteses, do próprio Serra. Tudo em nome da preservação do "lulismo" e na sua volta triunfal em 2014, com o PT a tiracolo."
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