domingo, 30 de março de 2008

"Isso é coisa que meu povo gosta"




Grande dica do brother José Rafael Mamigoniam: o blog Pornochancheiro, onde se encontram fotos, vídeos e textos sobre o cinema brasileiro dos anos 70 que levava milhões de pessoas às salas e lucrava horrores sem ter um centavo de dinheiro público na produção.

Um dos gurus da Boca do Lixo - epicentro da Pornochanchada - foi o manezinho Ody Fraga, diretor de "A Fêmea do Mar" rodado na Ilha de Santa Catarina em 1980. Ody era um dos mais ativos personagens da cultura catarinense nas décadas de 40 e 50. Participou do Grupo Sul, na área teatral, onde foi o primeiro diretor a encenar um texto de Jean-Paul Sartre no Brasil.

No início dos anos 60, após alguns anos no Rio, mudou-se para São Paulo e trabalhou nas TVs Cultura, Bandeirantes, Record e Tupi antes de radicar-se de vez na Boca do Lixo, onde roteirizou mais de 50 filmes e dirigiu mais de 20, colecionando vários sucessos de bilheteria como a comédia "Histórias que Nossas Babás não Contavam". Morreu em 1987, aos 59 anos.

O jornalista Carlos Damião publicou em 2007, no blog Identidade Catarinense, uma entrevista feita por ele com Ody Fraga em abril de 1980 para o Jornal da Semana. Alguns trechos do cineasta sem papas na língua.

JS – Muda-se a pergunta, então. Como é que um jovem autor de peças teatrais herméticas encenadas nos palcos da Florianópolis da década de 1950 terminou como um bem-sucedido produtor e diretor de peças de sexo?

Ody – Acho que naquela época a gente era ilhéu até de espírito e eu refletia isso no que escrevia. Refletia crises, problemas espirituais, místicos, existenciais. Hoje eu sou um tranqüilíssimo ateu.


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JS – Mas tem gente que vive dos financiamentos da Embrafilme. E faz bons filmes.

Ody – Tem. Mas eu sempre me recusei a participar desse jogo, porque a Embrafilme é um rio que vai desembocar em algum lugar. Vai desembocar, em longo prazo, na estatização do cinema. Não acredito neste pessoal dito de esquerda, que aceita o jogo da Embrafilme e faz o chamado filme engajado. Acho impossível você fazer um filme revolucionário com apoio oficial. Esta é uma esquerda profissional, que está aí para ser comprada
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JS – Diz-se que no Brasil não há cinema inteligente. Como é que você encara essa afirmação?

Ody – Eu tenho uma outra opinião: acho que não há crítico inteligente no Brasil. E posso citar um exemplo, de um nome muito famoso, muito em moda atualmente: já publicou dois livros sobre cinema e não escreveu nenhum. É um autor entre aspas.

JS – Quem é?

Ody – É o Rubens Ewald Filho. Um crítico americanista. A carteira de identidade dele e dos outros é um acidente sideral: não tem nada a ver com ele. São americanos e caíram por aqui.

JS – Por quê?

Ody – Porque eles analisam e estudam o cinema brasileiro com padrões de cultura, de técnica e arte americanos. Nós não temos nada a ver com isso: temos que criar uma linguagem de cinema nosso.


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JS – E os filmes de Walter Hugo Khoury? Não estariam numa linha de sexo mais intelectualizada?

Ody – O Walter Hugo Khoury, para mim, não é um intelectual: é um bolo sem recheio. É o "barroco do vazio".

JS – Há quem o considere como o "Bergman brasileiro"...

Ody – Ele tem um pecado capital: é não ser o Bergman sueco. Porque, tentar ser o "Bergman brasileiro", como se diz, resultou num péssimo carbono. E tão ruim que quase levou o A. P. Galante à bancarrota.



Valeu, Zé!

PS: Para quem estiver em São Paulo no mês de abril vai a dica da Mostra Ody Fraga - O Gênio do Sexo que acontece na Sala CINEMATECA/PETROBRAS no Largo Senador Raul Cardoso, 207, próxima ao Metrô Vila Mariana. Veja aqui a programação.

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