segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Qual sua filosofia de vida?





Quem responde é o Barão de Itararé. Um cara genial, muito admirado pela verve, ironia e sabedoria. Criador de inúmeras frases que vivem no inconsciente coletivo brazuca. Publiquei um post sobre ele no início do Esquerda Festiva. Pois bem, sem mais delongas a filosofia de vida do Barão, publicada no Jornal de Debates em 12 de julho de 1946:


— Qual a sua filosofia da vida?
— Respondo, perguntando:
— Mas que é a vida?
— A vida — disse Claude Bernard — é a morte. E Louis Pasteur afimou que, sem a morte, a vida seria impossível.

Quando, entretanto, falamos em vida, a que vida nos referimos? A vida dos animais ou á vida dos vegetais? A vida dos animais e vegetais unicelulares (protozoários e bactérias) ou aos vertebrados e plantas superiores?

Não nos devemos esquecer, porem, que Bertholet, o pai da química, disse que a terra é algo vivo. Naturalmente Bertholet, naquela época, não declarou sem rebuços que a terra vive, porque não queria terminar os seus dias num manicomio ou numa churrascada da inquisição. Mas, evidentemente, quem sabia que a terra é formada de elementos minerais e que esses elementos, por sua vez são compostos de átomos, que estão em constante movimento, deveria admitir a hipótese de que o átomo do reino mineral também vive. Sobre este assunto, nos dias que correm, nenhum cientista nutre qualquer dúvida. Todos percebem que assim como um dia apareceu, tambem um dia a terra desaparecerá. E adiantam até que este nosso mundo, já muito velhinho, morrerá de frio, enregelado. Mas não é só a terra que vive. Tudo o que nela se encontra tambem vive, até mesmo os ciristais que, como a gente, nascem, crescem, envelhecem, adoecem e morrem. Isto é, se transformam.

A vida de um animal superior, como o homem, é uma sociedade anônima, composta de milhões e milhões de acionistas, ou seja, de átomos que formam moléculas e células que se acham em constante atividade. Esses acionistas, entretanto, não se agrupam arbitrariamente, mas de acordo com a lei que rege as sociedades anônimas biológicas, constitundo uma firma que vai agir na praça ou fora dela a prazo limitado, dedicando-se às mais variadas transações de importação e exportação. (Os fisiologistas dizem anabolismo e catabolismo).

A existencia da sociedade depende da renovação, constante de seu estoque. As mercadorias importadas (proteínas, hidratos de carbono, gorduras, vitaminas, etc.) são transformadas nos laboratórios da firma.

O material transformado, em parte, fica depositado nas prateleiras dos grandes armazens, para o abastecimento a domicilio de cada célula, enquanto que a outra parte inaproveitada é exportada ou mandada para fora.

Quando um animal superior morre, não morre nenhum acionista. A sociedade é que entra em liquidação mais ou menos rápida. Cada acionista, isto é, cada átomo então, muda o rumo da sua vida. Indo exercer a sua atividade em outro ramo de negocio ou voltando a emprestar o seu concurso a outra sociedade do mesmo tipo.

Em outras palavras: — a nossa vida depende da renovação permanente das paredes celulares. Cessando essa renovação, sobrevem a gangrena, que é o apodrecimento, a decomposição ou liquidação da sociedade. Entretanto, as paredes celulares, como as paredes das nossas casas, são formadas de tijolos. Mas os tijolos das paredes celulares chamam-se ácidos aminados. Ora os ácidos aminados são corpos neutros que resultam do encontro e do equilíbrio das duas fermentações antagonicas da natureza, a fermentação ácida e a fermentação alcalina ou amoniacal.

Em linguagem metafísica, os espiritualistas dizem a mesma coisa, com outra frase: "O homem tem em si a essencia do bem e do mal. Neste caso, o "bem" sem é a fermentação alcalina e o "mal", a fermentação ácida.

Ora sob o ponto de vista físico, uma fermentação é eletro-positiva e a outra é eletro-negativa. Assim física é quimicamente, a nossa vida tem origem numa contradição. Esta contradição inicial domina todo o fenomeno biológico.

Aliás, nada acontece na natureza sem o encontro dos contrarios. Nada nasce sem o encontro das forças antagônicas.

É da lei da física: forcas contrarias se atraem; forças semelhantes se repelem. Mas é da lei também que o encontro de duas forças, positiva e negativa, tende á formação de uma terceira força neutra, que depois será, conforme o caso, positiva ou negativa em relação a outras.

A minha filosofia não consiste em procurar a harmonia dos contrários, mas, ao contrario, em ressaltar as contradições da natureza, para que sejam, pelo menos, controladas.

As forças contrarias se atraem em virtude de uma lei que não me é dado evitar e pela qual não sou absolutamente responsável. Sei que do encontro de uma carga positiva e de outra negativa, resulta a faisca. Não me sendo possível impedir a faísca, procuro desempenhar o papel de para-raios.

A tristeza e a alegria, como o frio e o calor, como a luz e a treva, são expressões desse contraste. Não há, por isso, tragedia que não tenha o seu lado cômico e não há comedia que não apresente o seu aspecto trágico.

Descobrir o que há de material no espírito e o que há de espiritual na matéria; denunciar o que há de mentira na verdade e o que há de verdade na mentira, eis o trabalho principal a que me dedico para melhor sentir e compreender a vida.

Aqueles que não puderem entender as contradições da natureza tambem não me pode compreender quando as interpreto. E é por isso que há por aí muitas pessoas respeitáveis que ficam confusas quando me escutam e, afinal, não ficam sabendo se, quando brinco, estou falando serio ou se, quando falo sério, estou brincando...

Barão de Itararé

O texto mantém a grafia original do artigo escrito em julho de 1946 por Barão de Itararé.

3 comentários:

Dauro Veras disse...

Um post maravilhoso, pra guardar e compartilhar!

Moacy Cirne disse...

Grande Barão de Itararé! Seus Almanhaques, por exemplo, são maravilhosos... Abração.

Ulysses Dutra disse...

Salve amigos!

O Barão é o cara né!

Um grande abraço