quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Revolução

Guilherme Fiúza escreveu no site NoMínimo.

" Fiquem longe de Brasília

Foi bonito as torcidas rivais no Maracanã gritando unidas o nome de João. Uma bela homenagem a João Hélio Fernandes, seis anos, morto por uma nova faceta da crueldade – o desleixo. Para os bandidos que o arrastaram pendurado no carro, sua morte tanto fazia. Seus pais agora querem evitar que ele seja só mais um número na estatística da violência.

Infelizmente, a dor nem sempre confere a quem a sente um mandato de eficiência ou criatividade. Quem perde um filho se sente sozinho diante de Deus (ou da ausência dele), e vê exclusividade em cada gesto seu. Às vezes, porém, as atitudes para “dar um basta” àquele flagelo são a melhor maneira de ser convencional - e deixar tudo como está.

A mãe dilacerada quer transformar sua dor em ação. É saudável. Ela tem opiniões sobre a legislação. E tem a sensação de que o único caminho para a justiça é uma determinada mudança na lei que lhe parece óbvia. Por isso decidiu ir com o pai de João a Brasília.

É um movimento que lhes serve para sentirem-se fazendo algo pelo filho perdido. Mas é um impulso que, ao final, só lhes aumentará o vazio.

Telefonem para Ari Friedenbach. Ao localizar depois de longa busca o corpo da filha Liana, estuprada e morta aos 16 anos num acampamento na Grande São Paulo em 2003, ele botou um terno e se mandou para Brasília. Sentia o mundo girando em torno de sua dor e foi tratar de mudar o destino dos homens.

Sua missão resultou em uma foto com Eduardo Suplicy. Foi também ornamento para a agenda de outros políticos e autoridades, como o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos – que diligentemente mencionou algumas daquelas propostas de endurecimento com o crime que ficam guardadas numa gaveta especial para essas ocasiões.

Prezados pais do menino João, Brasília engole a indignação de vocês. É difícil compreender isso nessa hora, mas o seu sofrimento é facilmente transformável em combustível para a máquina da notícia e da política.

Não é por mal. É da vida. Mas será que a melhor forma de gritar o seu basta é uma audiência com Renan Calheiros? Entendam: sua ira só é santa até a porta do gabinete. Dali para frente, é exatamente aquilo que vocês não querem ser: mais um número na estatística (da pantomima política).

Ari voltou de lá de mãos abanando. Esse circuito termina numa caminhada de branco com algumas ONGs em Ipanema. Tentem um caminho melhor para sua dor.

Glória Perez submergiu com o sofrimento pelo assassinato de sua Daniela, viveu a solidão inevitável desse momento, e depois emergiu com uma cruzada bem planejada para mudar a lei de crimes hediondos. Tudo tem a sua hora, tudo tem o seu ritmo, e na tragédia não é diferente. Maioridade penal? Legislação específica para cada estado? Pena de morte? Cuidado para não se tornarem um confeito a mais num debate enguiçado.

O Maracanã cantou junto para João. A revolução é por aí. Deixem Brasília para lá."

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